Voltemos então ao avô António e ao seu amigo comandante da Marinha Mercante.
Os anos passaram e com o avô já sócio da concessão de "banheiros" na Praia do Sul, da Ericeira, cuja actividade se centrava no aluguer de barracas e toldos na época balnear, eis que aparece o nosso comandante, de férias e a banhos com a respectiva família. E aluga uma barraca e dois toldos precisamente na zona de praia explorada pelo avô António. Reconheceram-se! O reencontro foi efusivo como era de esperar. -"As surpresas que o destino nos reserva! Voltamos a ver-nos ao fim de tanto tempo. Venham daí esses ossos!"- diziam emocionados um para o outro por entre cumprimentos e abraços.
O comandante apreciou as férias na vila da Ericeira. Naquelas "santas termas", como lhe chamava. Gostou da frescura das manhãs e do aroma saudável e adocicado a iodo que se desprendia das lages negras da praia na maré vazia. A família adorou e prometeram voltar no ano seguinte. -"Ficámos viciados nisto"- diziam. E voltaram sempre por largos anos.
Um verão, o avô António por entre copos e jogos de damas lá acabou por puxar a conversa sobre o anel que o comandante usava e o seu significado e proveniência. Este, atrapalhado, tentou inventar uma história meio esfarrapada, esquivou-se como pôde ao assunto mas acabou por ceder quando o avô António lhe mostrou o "seu" anel, cópia fiel do anel do comandante. O mundo deve ter parado naquele instante!
Passada a surpresa e afinadas as "agulhas", havia que devolver o seu a seu dono e as caixas com os ferrolhos em forma de cruz de Cristo, guardadas há uma eternidade, lá foram desenterradas da sua sepultura do Serrado do Poço, lugar onde o avô habitava na Ericeira. Velhinhas, já a decompôrem-se, mas com o seu conteúdo bem protegido e conservado, lá se foram juntar finalmente às restantes. O "tesouro" voltava a estar completo. E a Irmandade agradeceu.A partir daqui o avô António passou a fazer parte integrante daquela fraternidade e no fim de um Verão, tinha eu os meus 14 anos, fui levado "emprestado" para Santarém para "aprender umas coisas" por uns tempos. O meu avô que me tinha criado com ele desde pequeno deixava-me ir, assim, para o seio daqueles que o acolheram em tempos e que me acolhiam agora a mim. Relutante em largar-me a mão. Protector.
O "mundo" que encontrei e no qual começava a integrar-me era indescritível. Tinha aquela sensação estranha de quem entra num Templo pela primeira vez. Os sons... A sensação de uma Paz total, contagiante. A sensação absoluta de que o mundo ficava definitivamente lá fora. E a descoberta gradual de verdades ocultas, a revelação de conhecimentos insuspeitos, começaram a moldar o meu espírito, a formar e a consolidar o carácter da pessoa que hoje sou. De certa forma, um ser abençoado.
Santarém, Almeirim, Reguengos (de Monsaraz), Vila Viçosa... A "escola primária" estava feita. Dura, intensiva, recompensante. ...e a minha paixão: os cavalos. Aos 16, já "graduado", avanço para os estudos nas bibliotecas dispersas pelas famílias do meu ramo paterno. Boas e gratificantes surpresas nas velharias poeirentas e quase esquecidas dos Pereira, dos Azevedo, dos Amaral, dos Albuquerque. Tesouros.
Mas o que me entusiasmava mesmo eram os "encriptados". Documentos medievais cifrados que continham os registos da gestão de Ordens Militares como a do Templo e de Avis. Obtidas as "senhas" que haveriam de abrir portas há muito fechadas, era hora de meter os pés ao caminho... Especializei-me, pois, em criptografia. Primeiro nas "oficinas da Fundação", depois nas da Chefia de Reconhecimento de Transmissões (CHERET), vindo do Batalhão de Reconhecimento de Transmissões (BRT); não que o Exército tivesse alguma coisa a ver com a "Fundação" mas como a tropa na altura era obrigatória e a especialidade era "Cripto", pensei: porque não juntar o útil ao agradável ?
Rasgara os meus horizontes. Abrira a mente a coisas impensáveis. Podia estar grato por algumas histórias se terem cruzado gerações atrás fruto de coincidências improváveis. Mas sem dúvida alguma tinha muito, mas muito a agradecer aos meus antepassados por deles ter herdado a capacidade de compreender o desconhecido e de conseguir ver para lá do visível.
Perante todos eles me curvo hoje com profundo respeito, muito carinho e admiração.
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