quinta-feira, 25 de setembro de 2025

O Paço de Ilhas

  

Ruínas do Paço de Ilhas em Santo Isidoro
 
 Tal como dissémos anteriormente, a ruína da Torre templária de Argolim, da desaparecida Comenda de Santo Isidoro de Ribamar, deu lugar mais tarde ao "palácio" cuja memória se julga perdida: o Paço de Ilhas. Mas estará essa memória perdida, para sempre? Não para nós. Vamos aqui avivá-la, embora de forma sucinta pois a sua história tal como se nos revela, secreta e atribulada, daria para encher outro blogue como este.
 
As Casas do Templo no Chão de Ulmeiros fundadas em 1192 na verdade não chegaram a "amadurecer" na posse da Ordem do Templo uma vez que, 26 anos depois, estas passaram para a Ordem de Avis num acordo assinado secretamente em 1218 entre ambas, embora continuassem com o estatuto especial de "Comenda secreta".
 

 
Esta "Comenda" de Santo Isidoro de Ribamar esteve funcional por mais de um século até que a Ordem do Templo foi suspensa pelo Papa Clemente V e, pelo rei francês Filipe o Pérfido difamada e perseguida. Na altura e por toda a Europa, o poder eclesiástico aproveitou para capturar e destruir os vestígios documentais dos Templários a que conseguiu deitar a mão. E a nossa "Comenda secreta" não foi excepção. Foi pilhada, destruída e abandonada. Mesmo sendo já património da Ordem de Avis.
 
É, no entanto, aqui que começa verdadeiramente a história do Paço de Ilhas, não em Santo Isidoro de Ribamar, mas muito mais a sul, no reino do Algarve:
 
 A 17 de Novembro de 1307, vindo do porto de La Rochelle, França, chega a Tavira o cavaleiro Gerárd de France, comandante da nau templária "Bon Vent" ...aportou com carrego de bons cabedais e portadora de carta de el-rei Dom Denis que lhes permitia tomar assento com todos os direitos no lugar de tavilla."
 
Em 1386, um seu descendente, João da Franca (Jean de France), natural de Tavira, já com o nome e sobrenome português e cavaleiro da Ordem de Cristo, veio para a "Quinta dos Ulmeiros" e aí se estabeleceu. Construíu a suas expensas o Paço de Ilhas a partir das ruínas da antiga Comenda, com a autorização de D. Lopo Dias de Sousa que detinha o senhorio da vila de Mafra, Ericeira e Enxara dos Cavaleiros.
 
Frei D. Lopo Dias de Sousa  foi o último mestre clérigo da Ordem de Cristo, senhor de Mafra e Ericeira, como acima referido, e mordomo-mor da rainha D. Filipa de Lancastre. Era filho de Maria Teles de Meneses e de Álvaro Dias de Sousa. Lutou ao lado do Mestre de Avis, na guerra da independência, tendo-se tornado amigo íntimo da Casa Real e em particular do infante D. Henrique.

 No Paço de Ilhas, juntaram-se a Frei D. Lopo Dias de Sousa, o dito cavaleiro João da Franca e Vasco Anes da Costa, ambos de Tavira. Os três darão início ao projecto "Ilhas e Terras novas de Ocidente", que mais não é que a compilação de todos os registos cartográficos existentes no reino, muitos deles secretos, para "estudo e uso nos achamentos das terras novas".
 
Brasão de armas de
Vasco Anes Corte Real
 


























E quem era este Vasco Anes da Costa? Nada menos que o patriarca dos futuros Corte Real. “foi caval.ro e fidalgo honrado de tavilla em tempo de Rei dom Fernando e del Rei dom João o primeiro”. Da antiga linhagem dos Costa, descendente de Martim Mendes da Costa, um dos fidalgos que esteve na conquista do Algarve, Vasco Anes “Viveo no logar de Arruda (o topónimo correto é Arrutéia), Freg.a de N. Sª da Luz, Termo de Tavira". 
O cronista Fernão Lopes na lista das pessoas que ajudaram o Mestre de Avis a defender o reino das agressões castelhanas diz : “do Reino do Algarve, de Tavira..., Vascoeanes pay de Vascoeanes Corte Real”. E acrescenta: “Aquelle em Portugal antigamente já Vasqueanes da Costa foi chamado, do corpo, e membros forte, muy valente, de coração feroz, e animo ousado: de geração antiga descendente, Fronteiro mór do Algarve intitulado: era também, (que nada então lho tira) Alcaide mór de Silves, e Tavira.”
 
 Um dos filhos deste Vasco Eanes Corte Real, o navegador João Vaz Corte Real, foi um dos primeiros europeus a chegar ao continente americano por volta de 1470, chegando à Terra Nova. Mais tarde, realizou outras viagens que lhe permitiram explorar as margens dos rios Hudson e S. Lourenço, até ao Canadá, e chegar à península do Labrador.
 
Planisfério de Cantino (1502), onde está representado a Terra Nova como “Terra del Rey de portuguall”
 
João Vaz Corte Real participou em expedições luso-dinamarquesas, ao abrigo do acordo firmado entre o rei D. Afonso V e o seu primo Cristiano I da Dinamarca. No século XV, a Dinamarca era um vasto reino que controlava os mares do norte. Portugal estava mais do que nunca empenhado na exploração do Oceano Ártico, devido à pesca do bacalhau e à tentativa de descobrir por aí uma passagem para a China. Em 1461, o rei de Portugal D. Afonso V estabeleceu um acordo com Cristiano I para a exploração dos mares do Norte.
 
 

 Entre as várias expedições que foram feitas destacam-se: Em 1473, o Infante D. Fernando, mandou João Corte Real e Álvaro Martins Homem descobrir a Terra Nova dos Bacalhaus. Em 1495, João Lavrador e Pêro de Barcelos chegaram à Gronelândia e à Península do Lavrador. Entre 1500 e 1506, os irmãos Miguel e Gaspar Corte Real, seguindo a rota do seu pai, procurando uma passagem para os mares da China, chegam à Terra dos Bacalhaus e desaparecem pouco depois nos mares gelados do Norte. Deixaram no entanto testemunhos da sua passagem na enigmática "pedra de Dighton", no estuário do rio Taunton, em Berkley, Massachusetts (em tempos parte da vila de Dighton, daí o nome da rocha).

Interpretação da inscrição na Pedra de Dighton - Museu da Marinha, Lisboa


 João Vaz Corte Real teve sete filhos. Três deles, Gaspar Corte Real, Miguel Corte Real e Vasco Anes Corte Real, foram navegadores audaciosos, continuando o espírito de aventura do pai. Seu filho mais novo, Gaspar, em 1500, fez a sua primeira viagem à Terra Nova então chamada "Terra dos Corte Reais". Partiu em 1501 numa segunda expedição ao Continente Americano e nunca mais voltou. O outro filho Miguel, partiu em 1502 em busca de seu irmão e também nunca mais foi visto.

 Como curiosidade registe-se que estiveram guardados no Paço de Ilhas os portulários (mapas cartográficos) do pouco conhecido geógrafo e cartógrafo portugês Pero Roiz (Pedro Rodrigues) que constavam na descrição pormenorizada de toda a costa oriental das américas e uma boa parte da costa ocidental da América do Sul completado em 1503.

A cópia de uma parte deste mapa foi entretanto roubada por corsários turcos. Foi razurada, alterada, acrescentada com comentários otomanos. Uma terça parte do mapa que dizem de Piri Reis sobrevive hoje num museu de Istambul. Podem dizer o que quiserem mas sem dúvida que o nome do "almirante" Piri Reis pouco tem de otomano pois não passa de uma adaptação do nome do cartógrafo português Pero Roiz, autor oficial da obra.

 

A propósito, e para terminar, já repararam que estes mapas estavam completados com todos os pormenores na própria época dos "descobrimentos", o que prossupõe um trabalho iniciado várias décadas antes e, em alguns casos, séculos antes como o tratado "Naválica" da Ordem do Templo?
 
A maioria deles estiveram guardados por tempo indeterminado no "Tombo" do Paço de Ilhas.
 
"Os Cabrais e os Corte-Real na Terra Nova"
volume 1 (inéditos) 
 
 

Sem comentários: