Era uma vez... um solar que foi desmontado, pedra por pedra, e remontado a vários quilómetros de distância. Parece ficção mas aconteceu mesmo.
Construído na freguesia de Vale de Azares, este solar guardava muita da história dos Amarais, Cabrais e Albuquerques na sua biblioteca particular, até que esta se perdeu num incêndio. Este acontecimento somado a problemas económicos já existentes, iniciaram o declínio desta casa senhorial que acabou vendida quase em ruínas. Dizia João Trabulo no Correio da Beira Serra em Abril de 2024:
" O Solar dos Amarais existiu em Vale de Azares, Celorico da Beira, também, conhecido por Solar de Fonte Arcada, por estar implantado numa propriedade no lugar de Fonte Arcada, um dos quatro povos que constituem a freguesia de Vale de Azares, no concelho de Celorico da Beira."
" Era uma casa senhorial com três pisos, rasgados por grande quantidade de portas e janelas. Apresentava na fachada principal uma pedra de armas, onde realçava a presença dos Cabrais e dos Amarais e a frontaria de uma capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo. O solar foi mandado edificar por José Feliciano Amaral Cabral Saraiva que nasceu em 1816."
Margarida Mendes de Rezende, casada com um dos filhos do proprietário, revela-nos um pouco da sua história:
" Mais tarde, quando já estava em ruínas em consequência de um incêndio, foi comprado por meu sogro, José de Sousa Mendes de Rezende, segundo se supõe, à família Cabral Metelo que nos anos 50/60 viviam no Largo da Sé, em Coimbra. No início da década de 70 do séc. XX, foi desmantelado e transferido, pedra por pedra, para a Quinta dos Corgos, cuja propriedade ia desde o Mondego até aos limites de Vale de Azares, na freguesia da Lajeosa do Mondego, na reta das Primas na EN 16. As pedras foram todas numeradas para facilitar a genuinidade do edifício”.
Correio da Beira Serra, " Solar dos Amarais ou Solar Fonte Arcada – Lageosa do Mondego"
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O solar "remontado" pedra por pedra a 4,5 kms do lugar original |
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Distância de Vale de Azares (Grichoso) a Lageosa do Mondego |
Este património retirado à freguesia levou consigo o azar que tinha transformado o Vale de Flores (nome primitivo) num Vale de Azares. No lugar para onde foi mudado, chegou a ser uma casa de vício noturno, definhou e apagou-se. No local original restou o vazio e a memória de vivências mais nobres.
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O solar dos Amarais ainda em Vale de Azares |
Tinha eu os meus 7 ou 8 anos quando estive com o meu pai neste solar. "Vamos passar uns dias com as primas Cabrais a Vale de Azares" dizia-me ele. Na época ainda o imóvel estava em Vale de Azares, terra de muitos dos meus antepassados. Lembro-me vagamente das irmâs Cabrais, já idosas, uma delas a um canto da cozinha fazendo um caldo verde ao fogo de lareira numa panela de ferro. As suas vozes miudinhas, melodiosas, amáveis, francas.
Lembro-me de ter dormido num dos quartos de visitas, talvez num destes na foto acima. Lembro-me também de ir até à adega mais abaixo e comer um merendeiro bem recheado de carne e chouriço e de beber uma caneca de vinho caseiro. Depois disso, e porque não estava habituado à pureza daquele tinto, não me lembro de mais nada...
Anos mais tarde, quando o solar já tinha sido trasladado para Lajeosa do Mondego, chegou-me às mãos um livro, um dos poucos ou talvez até o único sobrevivente do incêndio, porque teria sido anteriormente oferecido a um familiar, de encardenação muito antiga; o primeiro de três volumes intitulados "Os Cabrais e os Corte-Real na Terra Nova", que mantenho comigo e de onde tirarei as próximas memórias a publicar aqui.
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Solar dos Cabrais(Açores, Celorico da Beira) |
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