sexta-feira, 29 de agosto de 2025

A Torre de Argolim


 1192. Mestre Gualdim Pais ordena a Sancho Monis a edificação da torre de Argolim para que sirva de base à fundação da Comenda Templária de Santo Isidoro de Ribamar. Esta Comenda teria os seus limites a norte no rio Safarujo com foz em Santa Susana (hoje S. Lourenço) e a ribeira de Benazer (a actual ribeira d'Ilhas) a sul.

* "... escolheram um lugar saudável para a fundação das casas do Templo a que deram o nome de Chãos de Ulmeiro por já haver ali ruínas de antiga ocupação junto de um vasto bosque de ulemiros e carvalhos de grosso porte. Mestre Sancho ali mandou erguer uma torre e adossar-lhe habitação para os primeiros freires. Depois mandou que se fizesse uma cerca de protecção às casas e mais tarde outra que cercava também toda a mata..." 

Na época (século XII) o rio do Safarujo não estava ainda açoreado e era navegável até distância considerável da sua foz onde a antiga muralha de acostagem, certamente de construção romana, deu o nome ao lugar como se depreende pela descrição: 

* "... de início a torre se chamou de Argolim e teve este nome por indicação de um velho moleiro, mouro alforriado, que disse ter a sua azenha no lugar a que chamavam Argolim por haver ainda restos de uma muralha muito antiga na margem do rio com pesadas argolas de ferro cravadas que serviriam para prender os navios que subiam o rio até quase uma légoa da foz." 

Com o tempo, a Comenda cresceu para sul ocupando solos produtivos até à fronteira norte da vila da Ericeira tendo deixado topónimos que sobreviveram até hoje como "Abadia" e "Vale dos Frades", ocupados mais tarde por outras comunidades religiosas.
 
De "Argolim" nunca mais se ouviu falar. A Comenda definhou tornou-se novamente uma ruina. A ribeira de Benazer mudou de nome. A torre e anexos foram derrubados para deles nascer o enigmático Paço d'Ilhas (tema da próxima publicação) o qual acabou dando o nome à ribeira:
 
Ribeira d'Ilhas. 
* "Os Cabrais e os Corte-Real na Terra Nova"
volume 1 (inéditos) 
 
 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

O solar que mudou de terra

 

 Era uma vez... um solar que foi desmontado, pedra por pedra, e remontado a vários quilómetros de distância. Parece ficção mas aconteceu mesmo.

 


Construído na freguesia de Vale de Azares, este solar guardava muita da história dos Amarais, Cabrais e Albuquerques na sua biblioteca particular, até que esta se perdeu num incêndio. Este acontecimento somado a problemas económicos já existentes, iniciaram o declínio desta casa senhorial que acabou vendida quase em ruínas. Dizia João Trabulo no Correio da Beira Serra em Abril de 2024: 

" O Solar dos Amarais existiu em Vale de Azares, Celorico da Beira, também, conhecido por Solar de Fonte Arcada, por estar implantado numa propriedade no lugar de Fonte Arcada, um dos quatro povos que constituem a freguesia de Vale de Azares, no concelho de Celorico da Beira."

" Era uma casa senhorial com três pisos, rasgados por grande quantidade de portas e janelas. Apresentava na fachada principal uma pedra de armas, onde realçava a presença dos Cabrais e dos Amarais e a frontaria de uma capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo. O solar foi mandado edificar por José Feliciano Amaral Cabral Saraiva que nasceu em 1816."

 Margarida Mendes de Rezende, casada com um dos filhos do proprietário, revela-nos um pouco da sua história:

" Mais tarde, quando já estava em ruínas em consequência de um incêndio, foi comprado por meu sogro, José de Sousa Mendes de Rezende, segundo se supõe, à família Cabral Metelo que nos anos 50/60 viviam no Largo da Sé, em Coimbra. No início da década de 70 do séc. XX, foi desmantelado e transferido, pedra por pedra, para a Quinta dos Corgos, cuja propriedade ia desde o Mondego até aos limites de Vale de Azares, na freguesia da Lajeosa do Mondego, na reta das Primas na EN 16. As pedras foram todas numeradas para facilitar a genuinidade do edifício”.

 Correio da Beira Serra, " Solar dos Amarais ou Solar Fonte Arcada – Lageosa do Mondego"

 

O solar "remontado" pedra por pedra a 4,5 kms do lugar original

 

Distância de Vale de Azares (Grichoso) a Lageosa do Mondego
 

Este património retirado à freguesia levou consigo o azar que tinha transformado o Vale de Flores (nome primitivo) num Vale de Azares. No lugar para onde foi mudado, chegou a ser uma casa de vício noturno, definhou e apagou-se. No local original restou o vazio e a memória de vivências mais nobres.

O solar dos Amarais ainda em Vale de Azares

Tinha eu os meus 7 ou 8 anos quando estive com o meu pai neste solar. "Vamos passar uns dias com as primas Cabrais a Vale de Azares" dizia-me ele. Na época ainda o imóvel estava em Vale de Azares, terra de muitos dos meus antepassados. Lembro-me vagamente das irmâs Cabrais, já idosas, uma delas a um canto da cozinha fazendo um caldo verde ao fogo de lareira numa panela de ferro. As suas vozes miudinhas, melodiosas, amáveis, francas.

Lembro-me de ter dormido num dos quartos de visitas, talvez num destes na foto acima. Lembro-me também de ir até à adega mais abaixo e comer um merendeiro bem recheado de carne e chouriço e de beber uma caneca de vinho caseiro. Depois disso, e porque não estava habituado à pureza daquele tinto, não me lembro de mais nada...

Anos mais tarde, quando o solar já tinha sido trasladado para Lajeosa do Mondego, chegou-me às mãos um livro, um dos poucos ou talvez até o único sobrevivente do incêndio, porque teria sido anteriormente oferecido a um familiar, de encardenação muito antiga; o primeiro de três volumes intitulados "Os Cabrais e os Corte-Real na Terra Nova", que mantenho comigo e de onde tirarei as próximas memórias a publicar aqui.

 

Solar dos Cabrais(Açores, Celorico da Beira)

sábado, 2 de agosto de 2025

Estelas de S. Clemente

 


 A igreja de S. Clemente (Matriz de Loulé) guardou durante séculos, reutilizadas como materiais de construção em diferentes pontos da igreja, um conjunto de estelas discóides da época medieval que teriam vindo da necrópole que se situava no exterior do templo. Segundo informações do reverendo Padre Cabanita, elas terão surgido aquando das obras efectuadas em 1971 sendo depois enviadas por ele para a alcaiadaria do castelo de Loulé. 

  


Na igreja de S. Clemente conservam-se pelo menos três outros monumentos do mesmo tipo, dois deles encastrados nos paramentos das paredes da nave principal e um outro no chão da capela de Nossa Senhora do Carmo. Podemos pois, contabilizar pelo menos nove estelas discóides provenientes desta igreja.

Note-se que a Flor de Liz  branca que aparece frequentemente inscrita nestas estelas é um antigo símbolo de pureza celeste, de inocência e de virgindade, mas também emblema de regeneração, de prosperidade e de poder. Símbolo feminino e do amor, por excelência, foi associado a Maria, surgindo sobretudo na Europa a partir do século XI com a sua crescente devoção.

 Com a influência cluniacense e cisterciense desenvolveu-se a teologia marial e o culto à Regina Coeli, à qual todas as abadias eram dedicadas, sendo padroeira de muitos templos. Neste sentido, as estelas com imagens da Flor de Liz representam a protecção dos defuntos por Maria.

 


A igreja de S. Clemente teve as suas origens na segunda metade do século XIII provavelmente mandada fundar pelo arcebispo de Braga, D. João Viegas que em 1251 incumbiu os frades dominicanos de construir vários templos no reino do Algarve. No dia 4 de Dezembro de 1298 passou para a Ordem Militar de São Tiago por escambo feito entre o rei D. Dinis e o mestre da referida Ordem.

Em  1319 a Ordem de Cristo estabeleceu a sua primeira Sede em Castro Marim com cavaleiros da Ordem do Templo, cavaleiros esses que quando faleciam faziam-se sepultar com os símbolos da Ordem de origem, na qual tinham professado antes; a do Templo. Por isso nada mais natural que tivessem estado presentes em Loulé e ali tivessem sido sepultados no cemitério da igreja de S. Clemente.